quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A outra passagem feliz


No post anterior eu mencionei que o livrinho psicanalítico continha apenas duas passagens felizes. Mas citei apenas uma.

A segunda citação feliz é a uma referência a como o bebê forma a ilusão de que é onipotente (já que tudo que ele quer acontece - a mãe faz pra ele), mesmo sendo a criatura mais desamparada do planeta. Engraçado, né?

Eu fiquei pensando em quanto dessa ilusão permanece ao longo do tempo...

Pois, conforme o bebê cresce, ele vai se empoderando (aumento do poder real) e, ao mesmo tempo, percebendo que não é tão poderoso quanto imaginava, ao se deparar com frustrações (diminuição do poder ilusório). Quando esses dois parâmetros se tornam iguais??

O livro não diz, mas eu arriscaria dizer "Na adolescência." E o que acontece então??

Acho que se o adolescente for equilibrado, ele tem uma boa percepção do seu poder real e segue a vida exercendo ao máximo seu potencial. Mas e se houver um desequilíbrio?

Se ele chega à adolescência com o poder ilusório muito acima do poder real, ele perde a noção do perigo. Resultado: se atira muito mais de cabeça aos riscos, com grande possibilidade de morrer no processo. Alguns diriam que isso é natural de TODA adolescência - o que empurraria a idade de nivelamento dos parâmetros mais pra frente.

No entanto, existem casos de adolescentes com poder ilusório abaixo do poder real, não existem? São aqueles que se sentem impotentes, muitas vezes deprimidos, achando que não têm controle sobre a própria vida etc. "Não posso fazer nada, que saco!" seria uma frase típica. O desejo de chegar logo à idade adulta também seria típico.

Não se vê esse comportamento em crianças, certo? Porque elas estão ainda com o poder ilusório lá em cima. Acho que isso comprova minha tese...

E o adolescente gay - estaria com o poder ilusório mais pra cima ou mais pra baixo?

A se pensar...

Sobre transexuais psicóticas


Terminei outro livro hoje. Um fininho, "Problemáticas da identidade sexual", de José Carlos Garcia (é de uma coleção chamada Clínica Psicanalítica, lançada pela editora Casa do Psicólogo). Coisa bem direcionada ao público interno, profissionais da área. O que tornou a leitura mais interessante, pois é a formação que os caras estão tendo. O livro aborda casos e reflexões clínicas sobre a homossexualidade e a transexualidade, do ponto de vista freudiano.

O que achei? Uma bosta.

Não sei se foi culpa do livro ou do autor especificamente - acho que minha cismo é mais com a psicanálise em si. Uma generalização sem tamanho, contraditória até: na apresentação do livro, em uma passagem muito feliz (das duas únicas passagens felizes do livro), o organizador da coleção, Flávio Carvalho Ferraz, diz que "Não se pode nem mesmo falar da heterossexualidade ou da homossexualidade, mas de identidades singulares de sujeitos singulares." Fantástico, né? O sentido é: cada um constrói sua sexualidade do seu jeito particular e, portanto, falar de uma sexualidade é falar daquela sexualidade daquele indivíduo. E só. Lembra o espectro de Kinsey, de 0 a 6, como se fosse um continuum e não algo discreto (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 apenas) etc e tal.

Mas aí, no livro, o autor pega uns três casos de homossexualidade tratados por Freud, um caso clínico pessoal e, com esses quatro exemplos, pretende definir a teoria geral da homossexualidade... O memso com as trans: ele pega um caso de Freud (de um cara com delírios paranóicos de estar virando mulher e sendo inseminado(a) por Deus (!)) e três casos clínicos pra concluir que todas as transexuais são psicóticas e as travestis, pervertidas. Just like that.

Olha um exemplo de argumentação: Nesses três exemplos as mães tinham cabelos curtos e isso mostra como elas tinham uma sexualidade indefinida e passaram isso a seus filhos. Ah, e os pais eram ausentes. Pelamor!!

Não que ele tenha sido homofóbico ou algo assim. Ele até tratou o tema com bastante respeito e, sobre o paciente gay dele, chegou a umas conclusões bem satisfatórias (por exemplo, que o problema não era o paciente ser gay, mas em não se aceitar totalmente como tal e reprimir vivências que deveria estar tendo. Legal!). Mas quando chegou nas trans ele se perdeu.

Tá, o tema é espinhoso. Mas eu não mandei ele escolher falar sobre isso, carácoles!

Me parece que ele seguiu o que manda o cânone psicanalítico - o que enterraria a psicanálise, pra mim. Sorte que eu li recentemente outro livro sobre o tema (sobre psicanálise e homossexualidade) que deu de 10 nesse. Vou ter de reler e postar aqui.

Já comecei outro, "O estado e a revolução", de Lênin (edição da Hucitec, apresentada por Florestan Fernandes). Pra dialogar com o Bobbio. Já tive orgasmos só na apresentação. Não sei por que não tinha lido ainda.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Bobbio

Terminei o livro do Bobbio. Como ele promete na apresentação, o livro te deixa com mais perguntas do que respostas... Pode haver socialismo com democracia? O que é socialismo? O que é democracia? Etc.

Fora aqueles trechos já selecionados, gostei de uma abordagem dele que destrincha o ditado "os fins justificam os meios" e indaga se alguns meios não influenciam (e, portanto, alteram) os fins. Ele cita como exemplo a mudança de um regime capitalista a um socialista - pela via democrática e pela via mais violenta. Ambos os "meios" teriam como "fim" o socialismo - mas seria o mesmo socialismo? Há socialismos e socialismos?

Questões, questões...

Por falar tanto em socialismo, sábado começa o Seminário GLBT do PCdoB, que ajudo a organizar (est aí do lado). Vai ser show!

Depois eu posto mais sobre uma discussão envolvendo socialismo e movimento gay que estamos travando na lista do E-jovem...

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Qual Socialismo?

Alguns trechos da minha leitura atual, Qual Socialismo?, de Norberto Bobbio:

"Não é possível socialismo sem democracia, sem participação popular, liberdades civis ou liberdade cultural." - Enrico Berlinguer (ex-secretário geral do Partido Comunista Italiano) e Santiago Carrillo (ex-secretário geral do Partido Comunista Espanhol)

"Se a ditadura burguesa pode ser exercida através de diferentes formas políticas, até com a república democrática e a democracia política, também a ditadura de classe não define uma particular forma de governo, mas uma ordem sócio-econômica. Deduz-se, portanto, que também a ditadura do proletariado, compreendida como ordem sócio-econômica, pode ser exercida através de diferentes formas políticas, não se excluindo, a princípio, a democracia política." - Umberto Cerroni (também do PCI)

Finalizo com uma fala parecida, de origem semelhante:

"Marxismo, quando usado devidamente, é um sistema aberto que absorve novas experiências e ajusta antigos paradigmas e conceitos a novas realidades" - Sam Webb (presidente do Partido Comunista dos Estados Unidos - sim, existe!)

Os grifos são todos meus.

Ou seja, basta procurar um pouco que a gente percebe que o socialismo não é aquela coisa sinistra que muita gente tem na cabeça... Ah, mas como é difícil fazer as pessoas entenderem isso...!

Não é à toa que o PCdoB trabalha na linha do "Mais Marxismo, Mais Brasil!", isto é, pensando num modelo de Estado socialista que funcione aqui por estas paragens - algo totalmente novo e diferente do que já se viu.

Foi isso que me seduziu ao partido.