quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Carta ao homofóbico que arrancou meu sangue

(foto: Rodrigo Cordeiro)

Carta ao homofóbico que arrancou meu sangue
Leitor desabafa em texto emocionado após ataque homofóbico

Por: Alexandre Pereira

Caro homofóbico,

Suponho que agora, depois de ter me surrado, você esteja um pouquinho mais feliz.

Mesmo com dor pelo corpo todo, hematomas, nariz quebrado, sangue coagulado, marcas, costelas quebradas, mesmo sentindo toda a dor do mundo por ter sido espancado covardemente por você, fico feliz que tenha tido o poder imenso de te fazer um pouquinho mais feliz, ao menos, enquanto a surra durou.

Você pode me bater, me socar, xingar, tirar meu sangue, até me matar, mas, tenha a certeza de que aquela sementinha que você queria arrancar e tornar-me igual a você, continua aqui, intacta. Ainda continuarei te assombrando com o meu rebolado, com as minhas roupas chamativas, com o fato de eu amar e sentir tesão por outro homem, de cometer o crime inafiançável de andar de mãos dadas com outro homem no meio da rua.

Sabe essa felicidade que você viu estampada no meu rosto e que quis arrancar com socos e pontapés? Pois é, felizmente, ela continua aqui e não vai a lugar algum. Depois que a dor passar, que os ossos sararem, que meu medo cessar, vou continuar sendo gay, feliz, completo, e você?

Aqueles minutos em que me bateu já passaram e com eles o sentimento de poder e invencibilidade se foram também, não é? Agora você voltou a se sentir o lixo que você é, voltou a sentir o vazio que te consome as entranhas, voltou a engolir todos aqueles sentimentos que você teima em esconder, não é?

Ao me bater você se sentiu poderoso, homem com H maiúsculo, forte, machão, invencível. E agora, como voltar a ter essa sensação de novo? Bater em mais alguém? Pode até ser, mas e depois? Vai ficar batendo nas pessoas a sua vida inteira para se sentir bem consigo mesmo? Que vida triste essa sua. Prefiro a minha, aposto na minha – o sangue para de correr, a dor passa, mas esse vazio que você sente aí dentro vai passar? Pode ter a certeza que não. Ao me recuperar consegui pensar em muita coisa. Qual o real motivo de você ter me surrado?

Eu estava apenas andando na rua, com minhas roupas chamativas, com meu cabelo diferente, com um jeito de andar diferente. Por que você me escolheu para descarregar todas as suas frustrações por meio da violência? O que passou na sua cabeça quando você parou, me olhou, analisou, percebeu que eu era diferente de você e, simplesmente, resolveu me bater? O que você queria matar em mim? Minha sexualidade? E por que ela incomoda tanto a você? Eu sequer percebi a sua presença, não pode usar da desculpa que eu dei em cima de você, feri a sua masculinidade te olhando com olhos de desejo.
 
Será que feri o seu orgulho de macho apenas por ser quem eu sou? Será que você gostaria de se libertar de todas essas amarras com as quais cerceou a sua vida e ser igualzinho a mim? Eu daria tudo para saber o que se passou na sua mente nesses segundos antes de tomar a decisão. Será que nos seus pensamentos, nos seus mais loucos devaneios, você realmente achou que me batendo mataria em mim o gay que eu sou? Não vê que assim, você me dá mais poder do que eu jamais pensei que teria? Eu só posso ser muito especial a ponto de você se incomodar tanto e querer me machucar. Será que eu tenho alguma coisa realmente muito poderosa que você quer tão ardentemente arrancar de mim?

Fiquei divagando, e se eu usar essa coisa que você tanto quer a meu favor? Que puta poder eu teria, então.

Imaginou se todos os gays do mundo (e olha que são muitos, pode acreditar) usassem esse poder, essa coisa especial, a seu favor? Seria uma revolução. Você já pensou nisso, não seria melhor, então, nos deixar ser quem somos do que nos dar tanto poder? Em todas as guerras que já aconteceram ao longo da história da humanidade, os povos se matavam porque queriam alguma coisa que estava em posse do ‘inimigo’.

E quando essa ‘coisa’ passava de um povo para o outro, ele não se fortalecia e virava uma potência? É isso que você quer? Pegar a minha sexualidade para si e, assim, sentir-se completo e fortalecido? Imagina se todos os gays que já foram vítima de algum tipo de preconceito entendessem que sofreram essa retaliação porque têm em sua sexualidade um poder imensurável? Como seria? Certamente iríamos lutar de volta, mas sem a violência, porque somos seres humanos e não monstros boçais. Aí a história seria outra.

Eu percebi isso, que toda a sua violência foi em vão, porque estou mais forte, mais confiante. O que você quer, afinal, que eu me intimide, fique com medo de apanhar de novo e pare de usar roupas chamativas, de andar de mãos dadas com meu namorado, de beijar a pessoa que eu amo, de amar outro homem, e me transforme em você? Uma pessoa fria, infeliz, que passa pela vida apenas por passar, sem grandes ambições, a não ser bater e acabar com tudo aquilo que o lembre de toda a sua mediocridade?

Não, muito obrigado, a vida é curta e eu quero mais é viver, ser feliz, aproveitar cada segundo que me resta como se fosse o último, não tenho tempo a perder com idiotices, covardia, intolerância e mediocridade. Você arrancou o meu sangue, mas deixou marcado na minha alma algo muito mais profundo e importante: ser quem eu sou, aceitar quem eu sou e a minha verdade, é uma arma muito poderosa. E se isso te incomoda tanto, desculpe, eu não tenho nada a ver com isso, afinal, nem te conheço. Podem dizer o contrário, mas eu sei que vou para o céu.

Afinal, qual o meu crime? Amar, simplesmente. E o seu?

Se as igrejas e as religiões acham que isso é adorar Deus, incitar o ódio contra as diferenças, desculpe, mas isso não é para mim e não deveria ser para ninguém que é humano e tenha alguma noção de humanidade. Você tem todo o direito de não me aceitar, de achar que o que eu faço é errado, que eu vou queimar no fogo do inferno, mas daí a partir para violência? Quem será que está errado nessa história? Quem é você para me julgar? Antes de me apontar o dedo, por que você não se olha no espelho e repensa tudo que faz de errado? Obrigado pelos hematomas. Eles se tornarão cicatrizes de uma guerra que você acha que ganhou. O que você fez, realmente? Me bateu covardemente no meio da rua.

E eu? Ganhei mais força para me obrigar a ser feliz. E, enquanto eu for feliz, com minha coragem e minhas marcas da batalha, você continuará atolado na merda em que você afundou a sua vida e onde enterrou todas as suas chances de ser um pouco menos infeliz.

Quem ganhou, afinal?

Para um querido amigo que foi vítima, ontem (15/2), de um troglodita.

2 comentários:

xx disse...

parabéns pelo texto e muita força. todos precisamos.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.