quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Escola para negros


Em tempos de "Escola pra gays", encontrei no jornal de domingo o texto abaixo, que dá conta de uma escola voltada ao público negro, fundada em Campinas em 1898.

Segundo o autor da pesquisa, dez anos após a Abolição, os meninos negros sofriam tanto preconceito que nem eram aceitos nas escolas. Foi aí que surgiu o Colégio São Benedito, que, segundo ele,
“acabou acolhendo excluídos de todas as raças, que a sociedade instituída desprezava”.

100 anos depois, é a vez dos gays romperem seus grilhões...


Publicada em 10/1/2010
no jornal Correio Popular
Campinas/SP


Rogério Verzignasse
A escola da Campinas miscigenada
Colégio S. Benedito acolhia alunos rejeitados pelo preconceito


ROGÉRIO VERZIGNASSE
rogerio@rac.com.br

A Lei Áurea foi assinada em 1888. Mas, uma década depois, a comunidade negra ainda carregava o fardo da escravidão, que por séculos permitiu a exploração nas fazendas e cidades. Mesmo longe de grilhões e pelourinhos, o negro continuava alvo do preconceito. Não era aceito em clubes, associações, escolas. Em Campinas não foi diferente. A busca da dignidade passou pela organização do grupo, que formou uma sociedade paralela. A primeira metade do século passado foi emblemática. Dividindo os custos, as famílias criaram a Liga Humanitária dos Homens de Cor (para assistência social a pessoas adoentadas ou desempregadas), se reuniam para celebrações religiosas na Irmandade de São Benedito, fundaram na Vila Industrial uma associação recreativa própria (o Machadinho). E, para educar os pequenos na embrionária nação livre, elas tiveram de ter uma escola própria.

O Colégio São Benedito (que funcionou na Avenida Moraes Salles por quase 40 anos) virou até tema de dissertação de metrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O autor, o professor José Galdino Pereira, reuniu documentos e fotografias sobre a escola, que se tornou símbolo da sociedade miscigenada que o Interior viu prosperar no século 20. O estabelecimento foi concebido em 1898 pelo professor Francisco José de Oliveira, que trocou Ribeirão Preto por Campinas e fundou um educandário capaz de preparar crianças negras para a admissão em ginásios e escolas complementares.

As primeiras aulas foram ministradas por Francisco em duas salinhas anexas à igreja fundada pela irmandade (templo histórico em estilo colonial e linhas neorromânticas, ao lado da Casa de Saúde). Em 1902, com recursos da Federação Paulista dos Homens de Cor, sediada em São Paulo, o mestre ordenou a compra do terreno e a construção do prédio na Moraes Salles. Fundou, ainda, uma “unidade suburbana” da escola, adaptada a um imóvel da Rua Alferes Raimundo, na Vila Industrial.

Galdino apurou, durante a pesquisa, que as cadeiras foram ocupadas por alunos de origens diversificadas. Além dos negros, havia filhos de imigrantes italianos, portugueses, alemães e até árabes. A escola, pensada para educar negros, passou a educar filhos de lavradores que chegaram para substituir a mão de obra escrava no campo. As fotos raras conseguidas nas entrevistas mostram meninos simples, de pés descalços, acomodados nas carteiras. “O colégio acabou acolhendo excluídos de todas as raças, que a sociedade instituída desprezava”, afirma.

O professor leciona história na Escola Estadual Norberto de Souza Pinto, no Jardim Campos Elíseos, e é diretor da Escola Municipal de Educação Infantil Leon Vallerie, no Parque Valença, sem abandonar o tilá (gorro sem abas típico da cultura africana). Ele apurou que o governo paulista subsidiava a educação de meninos mais pobres, que não podiam pagar as mensalidades. Passaram pela escola diversos campineiros que se tornaram célebres, como Aristides Pedro da Silva (o V8, que construiu um dos mais importantes acervos fotográficos sobre a cidade) e Moisés Lucarelli (que deu nome ao estádio da Ponte Preta).

A fonte mais importante da pesquisa transformada em dissertação foi o ex-bombeiro Benedito Evangelista, dono das principais fotografias coletadas. Ele foi entrevistado antes de morrer. Além de ter estudado na escola (por ser filho de um membro do grupo fundador), Evangelista dirigiu o Clube Recreativo Campinas, o Machadinho, e se envolveu na organização da Banda dos Homens de Cor. “Evangelista, que morreu quase centenário no começo da década atual, foi uma das mais importantes lideranças da comunidade negra campineira”, diz Galdino.

Foi da boca de Evangelista que o pesquisador descobriu um tema para pesquisa futura: o fim da escola. De acordo com o educador, a morte do idealizador Francisco, em 1936, fez com que dirigentes reunidos em uma associação dilapidassem o patrimônio. O prédio, que ocupava quase todo o quadrilátero formado pela Moraes Salles e pelas ruas Boaventura do Amaral, Padre Vieira e Cônego Cipião, foi vendido. Acontece que Evangelista, procurador da entidade mantenedora, contestou judicialmente a transação por décadas.

Grande parte dos imóveis da quadra ficaram sem escritura por uma pendenga jurídica sem solução. Evangelista queria indenização pela venda supostamente irregular. Mas o próprio pesquisador Galdino admite que todos os virtuais beneficiários da ação também já morreram. A própria federação acabou, e o movimento negro foi pulverizado. Para ele, o ressarcimento justo seria o reconhecimento público sobre a importância da escola. “O São Benedito foi emblemático para a história de uma cidade construída por muitas raças.”

Saiba mais

As pessoas interessadas em conhecer detalhes sobre a história do colégio ou que tenham documentos e fotografias que podem ser juntados ao acervo podem ligar para o professor Galdino no telefone (19) 3304-2627. Apesar das férias, no horário comercial o educador pode ser encontrado na direção da escola que dirige, no Parque Valença. O telefone é (19) 3261-3748.

  

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